A perversidade e a ilusão do novo mercado da música – Me Engana Que eu Gosto! A Sedução do “viver de música”

Por Maurício Gaetani

Antes mesmo de começar a lançar minhas músicas nas plataformas esse ano, eu já vinha percebendo a construção de uma certa mística que vou descrever abaixo. Agora que estou dentro do jogo, só percebo isso ainda mais claramente. Vamos ver se vocês concordam.

Além das plataformas (Spotify, Deezer, Apple, etc) remunerarem muito mal os compositores do mundo inteiro (inclusive os hitmakers mundialmente famosos tipo Paul McCartney e outros do mesmo quilate), montou-se um esquema mundial cujo alvo parece ser seduzir e iludir os próprios novos compositores e artistas com a promessa de serem descobertos e ouvidos pelo "mundo inteiro" e "viverem da sua música" via plataformas digitais.

Explico. Construiu-se uma indústria de sedução e de arrecadação de dinheiro em torno disso voltada diretamente para seduzir os músicos, compositores e artistas, principalmente os novos, que sonham em fazer sua vida com isso, com música, com canções.

Quem faz parte dela? Agregadoras/Distribuidoras, Plataformas digitais (com marketing dirigido aos artistas), Cursos online (para ensinar o caminho das pedras), etc.

Não estou demonizando as agregadoras/distribuidoras digitais mas, todas elas (CD Baby, Ditto, Tratore, etc) LUCRAM com a "venda dessa ilusão", pois a cada vez que um compositor paga para uma agregadora uma taxa (ou percentual) para ter sua música distribuída nas plataformas, quem está ganhando antes de tudo, são elas, as distribuidoras. As distribuidoras precisam de "clientes" e os clientes delas são precisamente os compositores que querem ter seu trabalho conhecido e viabilizado financeiramente algum dia.

É isso que a CD Baby e outras distribuidoras fazem diariamente no seu marketing (em parceria com o marketing das plataformas Spotify, Apple, etc) em seus anúncios nas redes sociais ao redor do mundo, todo dirigidos aos compositores e artistas.

As distribuídoras PRECISAM vender aos compositores a ideia de que vale muito a pena eles colocarem suas músicas nas plataformas digitais, seguirem seus sonhos de artista e tentarem a sorte na música. Ok, artisticamente vale, vale muito, mas financeiramente ou como modo de vida e de se sustentar, é mais provável que não. Mesmo. 

Os compositores/artistas novos (e até mesmo os mais velhos), fascinados com essa possibilidade de serem ouvidos e "descobertos" pelo público, lançam suas músicas, investem grana em lançamentos e, mesmo com resultados muito modestos ou inexistentes, muitas vezes continuam acreditando nesse conto da carochinha de que "um dia alguma coisa muito bacana vai acontecer e eu vou ficar famoso como meus ídolos".
É quase tão difícil ou mais do que ganhar na mega sena.

Sim, isso sempre foi assim na música, mesmo antes das plataformas existirem, mas hoje isso é um movimento global organizado para criar essa mística do "você também pode conseguir". Muita gente lucra com isso.

E existe mais uma grande perversidade nisso tudo, não com relação a "ganhar dinheiro", mas com relação à possibilidade do artista SER OUVIDO, de ter seu trabalho conhecido pelo público.

Até mesmo "ser ouvido" dentro de uma plataforma digital é uma coisa difícil de se conseguir. O esquema das "playlists editoriais" do Spotify, no fundo, alimenta e mantém em grande parte a estrutura dos artistas mais ricos e das multinacionais ou conglomerados de comunicação que já são conhecidos e ouvidos diariamente pelo público.

Essas playlists cobiçadas apenas perpetuam a possibilidades dos que já são ouvidos continuarem sendo ouvidos e dos novos se perderem na enxurrada de 40 mil músicas lançadas por dia e continuarem sendo pouco ouvidos ou descobertos.

Existe um ou outro que consegue furar esse bloqueio? Sim, existe, mas não em quantidade suficiente para tantos compositores e artistas acreditarem que esse caminho é viável e que "um dia" tudo vai dar certo como "vendem" diariamente as agregadoras e a cultura das plataformas digitais.

Estou amargo? Não. Estou triste? Não. Estou decepcionado? Não. Só estou constatando que se construiu esse circo econômico e ilusório que ao mesmo tempo em que paga mal os grandes compositores consagrados do mundo, também  ilude os mais novos com promessas de que "é possível conseguir", como se, para isso acontecer, bastasse trabalhar sério. Não. Mais do que "trabalhar sério", seria preciso não fazer absolutamente mais nada na vida.

Mesmo com talento e trabalhando muito, é preciso uns 15 caminhões cheios de sorte, magia e vários outros imponderáveis acontecendo juntos. Era só isso. 

De resto, nos resta o prazer de compor e viver mergulhado na música. É por isso que eu vou lançar, pela quarta vez em quatro meses, meu próximo single no dia 12/6. Cuidado com as ilusões.