Homens Partidos
Homens Partidos é o primeiro CD de canções de Felipe Radicetti, lançado logo após o Festival da Música Brasil da Rede Globo em 2000. A canção Moleque-marraio, semifinalista do Festival, tem aqui a sua gravação original por Geraldo Azevedo. Homens Partidos é uma reflexão sobre a condição do homem diante do mundo que inaugurou a parceria de Felipe com Marcelo Biar em quatro canções e contou ainda com a participação de Lô Borges, Claudio Nucci e Clara Sandroni.
LETRAS
Homens Partidos (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
Quando eu parto pro parto eu contraio, eu não deixo, não desço eu me guardo, eu espero eu espero o resguardo (que sou). Quando arde a revolta, revolto eu não me atiro, eu não me acerto Eu desaponto Desaponto o revólver travado (que sou). Eu ando imerso num mar de aguarrás Eu não arrisco, eu nunca inflamo Eu não risco, eu lambo o pavio o pavio molhado (que sou). Eu sou o cordão remendado O umbigo e o feto O destino cortado Com faca de pão Quando de ré torno ao ventre Morno, escuro, fundo, funda mãe masmorra eu anseio o deleite eu anseio outro ventre (que sou). Quando a vida é partida, partilha decepada na lida Segue a sina, segue a sina a fração disparada (que sou). Quando eu confesso na missa Não cessa o pecado, a cobiça Pão e vinho que atiça que atiça o beato (que sou).
Moleque-Marraio (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
Pula carniça cai todo mundo encarna cartinha pro namorado cuidado que a tinta vai se acabar dez vão sorrir um vai chorar tudo o que o mestre mandar farei mas eu deixei passar minha vez quem sabe dizer por que não pulei? O futebol jogado pela janela gritei um gol anulado Um vai ter que perder pro outro ganhar Time de fora é quem sobrou Craque de bola tem o seu lugar Quem é pereba vai para o gol quem sabe dizer por que não joguei? Polícia e ladrão por favor me salvem o pique já começou corre logo menino, tá com você eu tô de altos, sem querer... Jogo da vida marraio sou ninguém me ouve, eu não sei brincar quem sabe dizer por que eu fiquei? Quem sabe dizer o que nos detém? Quem sabe dizer? Quem sabe dizer?
Duplo Espelho (Felipe Radicetti e Ferreira Gullar)
Neste leito de ausência em que me esqueço desperta o longo rio solitário: se ele cresce de mim, se dele cresço, mal sabe o coração desnecessário. O rio corre e vai sem ter começo nem foz, e o curso, que é constante, é vário. Vai nas águas levando, involuntário, luas onde me acordo e me adormeço. Sobre o leito de sal, sou luz e gesso: Duplo espelho – o precário no precário. Flore um lado de mim? No outro, ao contrário, de silêncio em silêncio me apodreço. Entre o que é rosa e lodo necessário, Passa um rio sem foz e sem começo.
Outro Canto Americano (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
Resistir, recusar Salve a América Insistir, levantar Salve a América Aportaram nossas vidas Porto Rico, Vera Cruz A cruz e a espada, a espada (In hoc signo vinces) A primeira missa Alma e carniça (em nome de Deus) Campos, fome, minas, morte Nossa carne à mercê À mercê do mesmo corte, o mesmo corte Nos amarram ao tronco pelo ouro e cobre tiram nosso couro golpe após golpe Povos, tribos, cabras cegas Cabras moucas, perdições Rotos, tato de leproso, de leproso Entre nossas vidas no abismo eterno eu caio, eu berro eu berro, eu berro. Quartos, camas, separados Quarteladas, confissões fardos, coitos inventados, inventados Lambo a sua língua desejo outro beijo meu desejo não é o que eu desejo Quero ser também carrasco Ser senhor, o teu senhor te conduzir à dor, parir a dor Atar os teus braços com as tuas tripas Te ensinar quem és, quem sou, Serás quem eu quiser.
O Silêncio - Instrumental (Felipe Radicetti)
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Num Barco Pequeno sem Remos (Felipe Radicetti)
Se a gente pudesse se ver Sem dizer nada, sem intervir Como estrangeiros, sem planos Acuados, sem costumes Sem espelhos, em retalhos. Sem ruídos, sem nada entender Cicatrizes, mas nada encobrir Nus, finalmente perdidos Sem recursos Nem ideias Sem pesares, sem ausências. Num barco pequeno sem remos Sob a chuva. E por indeterminar, viver. Se a gente pudesse se ver Sem as culpas a nos dividir Pobres, sem posses nem poses! Sem os egos Sem as calças De-se-qui-li-bra-da-men-te. Se a gente pudesse ceder Às correntes que vêm impelir Os nossos corpos à vida Ondas, ventos, Movimentos Tudo vida, Apenas vida.
Gacela del Recuerdo de Amor (Felipe Radicetti e Federico García Lorca)
No te lleves tu recuerdo. Déjalo solo en mi pecho, Temblor de blanco cerezo En el martirio de enero. Me separa de los muertos Un muro de malos sueños. Doy pena de lirio fresco Para un corazón de yeso. Toda la noche, en el huerto mis ojos, como dos perros. Toda la noche, comiendo los membrillos de veneno. Algunas veces el viento Es un tulipán de miedo Es un tulipan enfermo La madrugada de invierno. Un muro de malos sueños Me separa de los muertos. La hierba cubre en silencio El vale gris de tu cuerpo. Por el arco del encuentro La cicuta está creciendo. Pero deja tu recuerdo, Dejálo solo en mi pecho.
Assombros (Felipe Radicetti e Affonso Romano de Sant' Anna)
Às vezes pequenos grandes terremotos Ocorrem do lado esquerdo do meu peito. Fora, não se dão conta os desatentos. Entre a aorta e o omoplata rolam Alquebrados sentimentos. Os mais íntimos Já me viram remexendo escombros. Em mim há algo imóvel e soterrado Em permanente assombro.
Retrato de Poeta (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
Meu hóspede é ártico silêncio Imenso e solitário. Um pai tão insolente e frágil Age assim, conspirador. Alerta um pouco além dos meus presságios. (Eu canto sem saber A quem vai libertar) Alheio ao temerário precipício O ofício incendiário (Ofídio de olhar oblíquo) Cerca os réus num corredor: A escolha do extremo mais longínquo. (Paredes entre nós São finas, vão cair) Como se não bastasse ser impróprio O louco do baralho (O andarilho vil que me despiu dos véus) Meu traidor A porta e o atalho para o exílio. Meu hóspede é feito benefício De um vício ordinário Um pai tão implicante eleito por amor Meu trovador Se ergue como sombra sobre o meu dossel.
O Navio Negreiro (Felipe Radicetti e Antonio de Castro Alves)
E existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e covardia! E deixa-a transformar-se nesta festa Em manto impuro de bacante fria! Meu Deus! Meu Deus! que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio! Musa! chora, chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra, E as promessas divinas da esperança... Tu, que da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança, Antes te houvesse roto na batalha Que servires a um povo de mortalha! Homens simples, fortes, bravos... Hoje míseros escravos... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu na vaga, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga Levantai-vos heróis do Nôvo Mundo... Andrada! arranca este pendão dos ares! Colombo! fecha a porta de teus mares!
Cena de Afeto - Instrumental (Felipe Radicetti)
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Quadra de Roda (Felipe Radicetti e Rainer Maria Rilke)
E tudo está de acordo para nos silenciar, por vergonha, talvez e em parte, como indizível esperança.
Ficha Técnica
Homens Partidos Música de Felipe Radicetti Letra de Marcelo Biar Voz: Cláudio Nucci Violão: João Alfredo Cantiber Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Moleque-marraio Música de Felipe Radicetti Letra de Marcelo Biar Voz: Geraldo Azevedo Côro: Bequadro (Chico Adnet, Felipe Radicetti, Gláucio Binder e Renato Valle) Violão: João Alfredo Cantiber Flautas: Flávio Paiva Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Duplo Espelho Música de Felipe Radicetti Poema de Ferreira Gullar Voz: Tania Maia Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Outro Canto Americano Música de Felipe Radicetti Letra de Marcelo Biar Voz: Clara Sandroni Violões e charango: João Alfredo Cantiber Flautas: Flávio Paiva Coro: Camila Costa, Clara Sandroni, Giselle Martine, Masé Llordén, Flávio Paiva, Felipe Radicetti, João Alfredo Cantiber e Marcelo Biar. Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti O Silêncio (Instrumental) Música de Felipe Radicetti Sax: Ricardo Rente Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Num Barco Pequeno Sem Remos Música e letra de Felipe Radicetti Voz: Cláudio Nucci Flautas: Flávio Paiva Prólogo: texto de Rainer Maria Rilke declamado por Fernando Albano Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Gacela del Recuerdo de Amor Música de Felipe Radicetti Poema de Federico García Lorca Voz: Masé Llordén Violão: João Alfredo Cantiber Prólogo: texto de Rainer Maria Rilke declamado por Fernando Albano Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Assombros Música de Felipe Radicetti Poema de Affonso Romano de Sant’Anna Voz: Felipe Radicetti Flautas: Flávio Paiva Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Retrato De Poeta Música de Felipe Radicetti Letra de Felipe Radicetti e Marcelo Biar Voz: Lô Borges Violão: João Alfredo Cantiber Flautas: Flávio Paiva Coro: Giselle Martine, Masé Llordén e Tania Maya. Prólogo: texto de Rainer Maria Rilke declamado por Fernando Albano Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti O Navio Negreiro Música de Felipe Radicetti Poema de Antonio de Castro Alves Voz: Clara Sandroni Coro: Camila Costa, Cris Delano, Giselle Martine e Masé Llordén. Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Cena de Afeto (Instrumental) Música de Felipe Radicetti Guitarra: João Alfredo Cantiber Arranjos, teclados e programação eletrônica: Felipe Radicetti Quadra De Roda Música de Felipe Radicetti Texto extraído das Elegias de Duíno de Rainer Maria Rilke Coro de crianças: Ana Lia Rodrigues Beatriz Futuro, Carolina Futuro, Cristina Futuro, Chiara Santoro, Julia Deccache e Julieta Bedran. Regência: Agnes Moço Bebê: Bruno Vergara Frederico.
Citações
“Música que busca as profundezas, original e bem construída” Guinga, 18/11/98 “É música de 1o. mundo! Tem as três coisas mais importantes: Harmonia, ritmo e melodia e tudo isso tem muito bonito. Bela música. Parabéns.”Hermeto Pascoal, 30/10/98