São Bonitas as Canções – Marianna Leporace e Sheila Zagury

Release Date: 2001-03-21
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Álbum de Marianna Leporace e Sheila Zagury

Sim, são bonitas as canções.
Ontem, para acompanhar o jantar, pus um CD que há quase uma década tive a curiosidade de ouvir, e por força do imprevisível, fui ouvir pela primeira vez, ontem. Este CD, tão comentado na época de seu primeiro lançamento e, finalmente ganhando uma segunda edição agora, é uma obra-prima, em muitos aspectos. Alguns posso, rapidamente, destacar aqui: ouvir essas canções de primeira linhagem, como essas parcerias de Chico e Edu, tão bem cantadas pela Marianna Leporace e tão magistralmente arranjadas e executadas ao piano por Sheila Zagury, desenhou diante de mim – extasiado pela beleza intensa de tudo o que ouvia – um marco musical: mais que um marco na carreira dessas duas extraordinárias artistas, para mim é um marco na produção musical independente da década. Esse disco, idealizado por aquelas 4 mãozinhas, deve figurar entre uma das mais altas realizações da música independente brasileira da década. Para mim, nem um só centímetro a menos. É isso que o intérprete da MPB e artista independente busca concretizar, no manejo de uma receita sutil e de lavra sofrida, de muito suor, que no dorso do artista, não escorre, acumula nos anos decorridos e dá forma ao desejo de uma vida. O que escorre, deste disco, é a mais alta música brasileira. Vocês não acham?

Felipe Radicetti – 05 de novembro de 2014

LETRAS E FICHAS TÉCNICAS

Na Carreira

NA CARREIRA 

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Pintar, vestir
Virar uma aguardente
Para a próxima função
Rezar, cuspir
Surgir repentinamente
Na frente do telão
Mais um dia, mais uma cidade
Pra se apaixonar
Querer casar
Pedir a mão

Saltar, sair
Partir pé ante pé
Antes do povo despertar
Pular, zunir
Como um furtivo amante
Antes do dia clarear
Apagar as pistas de que um dia
Ali já foi feliz
Criar raiz
E se arrancar

Hora de ir embora
Quando o corpo quer ficar
Toda alma de artista quer partir
Arte de deixar algum lugar
Quando não se tem pra onde ir

Parar, ouvir
Sentir que tatibitati
Que bate o coração
Mais um dia, mais uma cidade
Para enlouquecer
O bem-querer
O turbilhão

Bocas, quantas bocas
A cidade vai abrir
Pruma alma de artista se entregar
Palmas pro artista confundir
Pernas pro artista tropeçar

Voar, fugir
Como o rei dos ciganos
Quando junta os cobres seus
Chorar, ganir
Como o mais pobre dos pobres
Dos pobres dos plebeus
Ir deixando a pele em cada palco
E não olhar pra trás
E nem jamais
Jamais dizer
Adeus

O Circo Místico

O CIRCO MÍSTICO

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Não, não sei se é um truque banal
Se um invisível cordão
Sustenta a vida real

Cordas de uma orquestra
Sombras de um artista
Palcos de um planeta

E as dançarinas no grande final
Chove tanta flor
Que sem refletir, um ardoroso espectador
Vira colibri

Qual, não sei se é nova ilusão
Se após o salto mortal
Existe outra encarnação

Membros de um elenco
Malas de um destino
Partes de uma orquestra

Duas meninas num imenso vagão
Negro refletor, flores de organdi
E o grito do homem voador
Ao cair em si

Não sei se é vida real
Um invisível cordão
Após o salto mortal

Meia-Noite

MEIA-NOITE

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Se a noite não tem fundo
O mar perde o valor
Opaco é o fim do mundo
Pra qualquer navegador
Que perde o oriente
E entra em espirais
E topa pela frente
Um contingente
Que ele já deixou pra trás

Os soluços dobram tão iguais
Seus rivais, seus irmãos
Seu navio carregado de ideais
Que foram escorrendo feito grãos
As estrelas que não voltam nunca mais
E um oceano pra lavar as mãos

Verdadeira Embolada

VERDADEIRA EMBOLADA

(Edu Lobo e Chico Buarque)

A verdade que se preza
É fiel que nem um cão
A de César é de César
A de Cristo é do cristão
A mentira anda na feira
Vive armando confusão
Cheia de perfume, rebolando na ladeira
De mão em mão

A mentira e a verdade
São as donas da razão
Brigam na maternidade
Quando chega Salomão
A razão pela metade
Vai cortar com seu facão
Vendo que a mentira chora e pede piedade
Dá-lhe a razão

Na realidade
Pouca verdade
Tem no cordel da história
No meio da linha
Quem escrevinha
Muda o que lhe convém
E não admira
Que tanta mentira
Na estação da Glória
Claro que a verdade
Paga a passagem
E a outra pega o trem

A mentira, me acredite
Com a verdade vai casar
Se disfarça de palpite
Pra verdade enfeitiçar
Todo mundo quer convite
A capela vai rachar
Pra ver a verdade se mordendo de apetite
Ao pé do altar

Na verdade cresce a ira
A mentira é só desdém
A verdade faz a mira
A mentira diz amém
A verdade quando atira
O cartucho vai e vem
A verdade é que no bucho
De toda mentira
Verdade têm

Nego Maluco

NEGO MALUCO 

(Edu Lobo e Chico Buarque)

 

Eu tava jogando vinte e um
Um nego maluco apareceu
Vinha com um baita de um rádio no colo
Tocando um samba a mil
E dizia pro povo que o samba era meu

Pintou saia justa no salão
Por culpa daquele fariseu
Dando, batendo no mesmo bordão
Toma aqui, toma aqui
Toma que o samba é teu


Sou da banda do jazz
Ganzá jamais me apeteceu
Não conheço o rapaz
Tenho família e esse samba não é meu

Tororó

TORORÓ

(Edu Lobo e Chico Buarque)

 

Eu fui no Tororó
Beber água, não achei
Achei bela morena
Que no Tororó deixei
Pra que, morena
Ah, pra que carinho
Ah, pra que desejo
Pra acabar sozinho

Antes da mulher
Era o homem só
Era sem querer
Era sem amor
Era sem penar
Era sem suor
Era sem mulher
Era bem melhor

Deus fez a fêmea e depois
Que ela encorpou, nunca mais
Que um mais um foram dois
E caíram de quatro os animais
E tome praga no arroz
Rebelião nos currais
Ficou o homem feroz
E estranhou seus iguais

Antes da mulher
Era um dissabor
Era um desprazer
Que fazia dó
Homem sem mulher
Era quase um pó
Que ficava em pé
Era um saco só

Dentro da fêmea Deus pôs
Lagos e grutas, canais
Carnes e curva e cós
Seduções e pecados infenais
Em nome dela, depois
Criou perfumes, cristais
O campo de girassóis
E as noites de paz

A História de Lily Braun

A HISTÓRIA DE LILY BRAUN

(Edu Lobo e Chico Buarque)
Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz
E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão
Foi desde então ficando flou
Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilinguindo toda
Ao som do blues
Abusou do scotch
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces

Rubras e febris
E voltou
No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê
Como amar esposa
Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz

Tango de Nancy

TANGO DE NANCY

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Quem sou eu para falar de amor
Se o amor me consumiu até a espinha
Dos meus beijos que falar
Dos desejos de queimar
E dos beijos que apagaram os desejos que eu tinha

Quem sou eu para falar de amor
Se de tanto me entregar nunca fui minha
O amor jamais foi meu
O amor me conheceu
Se esfregou na minha vida
E me deixou assim

Homens, eu nem fiz a soma
De quantos rolaram no meu camarim
Bocas chegavam a Roma passando por mim
Ela de braços abertos
Fazendo promessas
Meus deuses, enfim!
Eles gozando depressa
E cheirando a gim
Eles querendo na hora
Por dentro, por fora
Por cima e por trás
Juro por Deus, de pés juntos
Que nunca mais

Abandono

ABANDONO

(Edu Lobo e Chico Buarque)

O que será ser só
Quando outro dia amanhecer
Será recomeçar
Será ser livre sem querer
O que será ser moça
E ter vergonha de viver

Ter corpo pra dançar
E não ter onde me esconder
Tentar cobrir meus olhos
Pra minh’alma ninguém ver
Eu toda a minha vida
Soube só lhe pertencer

O que será ser sua sem você
Como será ser nua em noite de luar
Ser aluada, louca
Até você voltar
Pra quê

O que será ser só
Quando outro dia amanhecer
Será recomeçar
Será ser livre sem querer
Quem vai secar meu pranto
Eu gosto tanto de você

Beatriz

BEATRIZ

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

Na Ilha de Lia, no Barco de Rosa

NA ILHA DE LIA, NO BARCO DE ROSA

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Quando adormecia na ilha de Lia, meu Deus eu só vivia a sonhar
Que passava ao largo no barco de Rosa e queria aquela ilha abordar
Prá dormir com Lia que via que eu ia sonhar dentro do barco de Rosa
Rosa que se ria e dizia nem coisa com coisa

Era uma armadilha de Lia com Rosa com Lia, eu não podia escapar
Girava num barco num lago no centro da ilha num moinho de mar
Era estar com Rosa nos braços de Lia, era Lia com balanço de Rosa

Era tão real, era devaneio
Era meio a meio, meio Rosa, meio Lia, meio
Rosa,meio dia,meia-lua,meio Lia,meio

Era uma partilha de Rosa com Lia, com Rosa, eu não podia esperar
Na feira do porto, meu corpo, minh’alma, meus sonhos vinham negociar
Era poesia nos pratos de Rosa, era prosa na balança de Lia

Era tão real, era devaneio
Era meio a meio, meio Lia, meio Rosa, meio
Lia, meia lua, meio dia, meio Rosa, meio
Na ilha de Lia, de Lia, de Lia

Valsa Brasileira

VALSA BRASIELRIA

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu

Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer

Choro Bandido

CHORO BANDIDO

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim

Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim

Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons

Bancarrota Blues

BANCARROTA BLUES

(Edu Lobo e Chico Buarque)

 

Uma fazenda
Com casarão
Imensa varanda
Dá gerimum
Dá muito mamão
Pé de jacarandá
Eu posso vender
Quanto você dá?

Algum mosquito
Chapéu de sol
Bastante água fresca
Tem surubim
Tem isca pra anzol
Mas nem tem que pescar
Eu posso vender
Quanto quer pagar?

O que eu tenho
Eu devo a Deus
Meu chão, meu céu, meu mar
Os olhos do meu bem
E os filhos meus
Se alguém pensa que vai levar
Eu posso vender
Quanto vai pagar?

Os diamantes rolam no chão
O ouro é poeira
Muita mulher pra passar sabão
Papoula pra cheirar
Eu posso vender
Quando vai pagar?

Negros quimbundos
Pra variar
Diversos açoites
Doces lundus
Pra nhonhô sonhar
À sombra dos oitis
Eu posso vender
Que é que você diz?

Apresento no contrabaixo, Jorge Elber
Piano, João Rebouças
Bateria, Wilson das Neves
Percussão, Chico Batera
Sax, flauta, clarinete, Marcela Bernardes
Teclados, vocais, Bia Paes Leme
Violão, guitarra, arranjo, direção musical, Luís Cláudio Ramos

Se eu posso me alegrar de ter nascido e de viver, de trabalhar aqui
Ou mesmo lá fora e dizer “eu sou do Brasil”
Essa alegria com certeza vem da minha ligação com a música
E especialmente com os músicos brasileiros
Músicos aqui representados por esta banda
Que eu quero ter sempre comigo
E que faço questão de homenagear

Mas posso vender
Quem vai arrematar?

Sou feliz
E devo a Deus
Meu éden tropical
Orgulho dos meus pais
E dos filhos meus
Ninguém me tira nem por mal
Mas posso vender
Deixe algum sinal
Eu posso vender
Deixe algum sinal
Eu posso vender
Deixa algum sim

Ficha Técnica

FICHA TÉCNICA SÃO BONITAS AS CANÇÕES

Álbum do Duo Marianna Leporace e Sheila Zagury, dedicado às parcerias para teatro de Edu Lobo e Chico Buarque. 

Músicas: Edu Lobo

Letras: Chico Buarque

Textos: Luis Fernando Vianna 

Arranjos: Sheila Zagury, Marianna Leporace e Emerson Mardhine

Produção Musical: Paulo Brandão e Emerson Mardhine 

Produção executiva: Flavio Loureiro 

Design: Flavio Loureiro 

Imagens (capa, contra-capa e vinhetas): reprodução de obras de Orlando Teruz 

Fotos de estúdio: Leandro Leporace

Revisão de textos: Cacala Carvalho e Marília Maia 

Gravadora: Independente (2000) / Mills Records (2014)

Gravado nos estúdios:

  • Drum Studio – faixas 1, 2, 4, 8 e 13;
  • Studio Ecosom – vozes nas faixas 5, 6, 7 e 14, percussão, sax e flautas;
  • Studio Verde – faixas restantes

Técnicos de Gravação

  • Alexandre Hang (Drum Studio)
  • Daniela Pastore (Studio Verde)
  • Paulo Brandão (Ecossom Studios / Brand Studio)

Mixagem: Paulo Brandão e Emerson Mardhine (Studio Ecosom e Brand Studio)

Gravado e mixado entre setembro e outubro de 2000

Masterização: Eduardo Tornaghi (2000) e Carlos Mills (2010)

 

FAIXAS – todas as músicas são parcerias de Edu Lobo e Chico Buarque

Todas as faixas

 Voz: Marianna Leporace e Piano: Sheila Zagury

  1. Na Carreira 
  2. O Circo Místico
  3. Meia-Noite
  4. Verdadeira Embolada
  5. Nego Maluco

Baixo: Fernando Leporace

Bateria: Cacá Colon

Pandeiro e Tamborim: Mila Schiavo

  1. Tororó

Baixo: Fernando Leporace

Bateria: Cacá Colon

Flautas e sax soprano: Daniela Spielmann

Participação Especial: Chico Buarque

  1. A História de Lily Braun

Baixo: Fernando Leporace

Bateria: Cacá Colon

Gaita: José Staneck

  1. Tango de Nancy
  2. Abandono
  3. Beatriz
  4. Na Ilha de Lia, No Barco de Rosa

Participação Especial: Edu Lobo

  1. Valsa Brasileira
  2. Choro Bandido
  3. Bancarrota Blues

Baixo: Fernando Leporace

Bateria: Cacá Colon

Sax Tenor: Daniela Spielmann

  1. Na Carreira (Vinheta)

Baixo: Fernando Leporace

Bateria: Cacá Colon