Superlisa, a síntese da MPB com a música eletrônica
Superlisa é Clarisse Grova e Felipe Radicetti. A dupla de artistas estreou o CD em 2003. Em 2005 foi licenciado pelo selo Koala Records no Japão e uma nova edição em 2006 no Brasil. Motivados pelo que há de mais universal na música a sonoridade e atentos às possibilidades tecnológicas a serviço da arte, os dois artistas reúnem nesse cd 12 composições de ambos e de cada um com outros parceiros e uma única releitura: Ternura antiga, de Dolores Duran e J. Ribamar, todas elas sustentadas pela voz vigorosa e precisa de Clarisse amalgamada nos arranjos de Felipe com o mais moderno e emergente da música internacional.
LETRAS
Rude Pedra (Felipe Radicetti e Luísa Haranda)
Chega de me perseguir De tentar me pegar, me conter De tentar me impedir Pare de me insultar com a sua presença Com a sua licença eu quero seguir Pare de me invadir De tentar me agarrar, me ferir De me atazanar Pare de me atrapalhar De se enredar nos meus passos Rompi com todos os laços Você ainda quer insistir? Teu desespero é pedra. A pedra é rude Roda a loucura toda Pedra é assim A perda é dura. Chega de tentar me seguir Me acusar, de tentar me vencer De tentar me dividir Pare de me espionar De mentir o tempo todo, por tudo Eu tenho de vomitar Pare de me consumir Me trair, me doer, pare Pare de me sufocar Pare de me provocar De comover os meus ossos De reunir os destroços Você ainda quer insistir? Teu desespero é pedra.
O Tal Trem (Clarisse Grova)
Será que eu já passei da idade Será que perdi o lugar no tal trem Será que meu texto é bobagem Que eu não entendi o que disse Caetano, Buarque e Noel Quando o apito da fábrica tocou Alegria, Alegria. Será que isso é modernidade Será que isso tudo é amor de verdade Será que será... Onde é que isso vai dar... Quem sabe dizer onde anda A saudade que o velho Vinícius deixou Quem sabe onde mora a felicidade Que o Tom nosso mestre tocou Quem sabe cantar Beatriz Quem sabe da voz de Elis Pede bis Por favor...
Marrento (Clarisse Grova e Felipe Radicetti)
Toda vez que ele chega por aqui Com sorriso no canto da boca Com certeza ele vem pra seduzir Ele sabe o que quer não vai sair Enquanto não cumprir o seu intento. O cara é marrento. Diz que é autor da lei número tal Que saiu no Diário Oficial Que é calúnia o que dizem no jornal Que vai melhorar nosso carnaval Que vai distribuir muito alimento. O cara é marrento. Como é que esse mal nunca se acaba Tanto voto em urna funerária Quando alguém quer fazer força contrária É desfeito na roda da moenda Entenda que tudo ainda desaba Mesmo que essa lição nunca se aprenda. Ele cuida até do seu visual Chega de um jeito assim meio informal Mete um jeans e camisa social Diz que é da Igreja Pentecostal Do Segundo dia do Advento. O cara é nojento. Cita um trecho do novo evangelho Beija a fronte suada de um velho Agradece toda a confiança Em seu colo uma linda criança Diz que ali está nossa esperança. O cara não cansa. Como é que esse mal nunca se acaba Tanto voto em urna funerária Quando alguém quer fazer força contrária É desfeito na roda da moenda Entenda que tudo ainda desaba Mesmo que essa lição nunca se aprenda.
Indiviso (Felipe Radicetti e Cristina Saraiva)
Eu desenho um traço e vou Sem desvio em meu passo vou, sim Como um rio em seu curso vai, sempre vento que sinto e passa vai, mesmo ar Entre as mãos o que passou, ou virá sonho ou chão real, os passos são meus deixo meu sinal – meus passos sou eu eu me acho em meu traço e vou Não me faço em pedaço, não Não carrego outro nome não, viu? Olha as cores que tem o mar, tantas chumbo bravio, calmo azul, mesmo mar Olho o sol, o temporal, o bem, mal noite ou luz vital - os olhos são meus Faço um carnaval - meus olhos sou eu No amor que vem, dor que vai no amor que vai, dor que vem na fusão me eternizo indiviso eu sigo além
Livro em Branco (Felipe Radicetti)
Em branco, pombos e suas palmas, tão brancos, estão sempre chegando. eu posso ver, são persianas, de um lado há sempre alguma luz. Mas e vocês, eu digo, sempre tão tensos e eu intenso, intenso sempre, o que posso aqui, escasso, em branco, e sob o escárnio de vocês? O fundo do poço é branco. o oco do tronco e do osso, o passo e o traço que deixa é branco. Assim como o rosto da gueixa, o corte e o gole na farda, o espanto da meretriz é branco. Diante do pai quando chega, o vidro do meu olho imerso e o lapso num louco que passa é branco. O que fica depois da partida, ou no primeiro olhar em vida, o que se vê? O que se vê?
Senhora (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
À noite eu abro as portas deste meu salão E entram senhores que embora morem em imensas mansões Possuem trancas nos seus portões Não entram ...não deixam entrar Banqueiros, burgueses, mais tarde o padre e o pastor Juízes, rabinos e militares de alto escalão Descansam a honra e a tradição Sob os lençóis deste meu colchão Eu sou para depois do jantar Eu sou quem lhes dá o paladar Quem ensina o sabor. Adentram minha casa em bronze bustos e brasões Repousam em meu colo meninos que tem tanto a temer Temem o escuro e a solidão Seus sins e nunca o não Me batem e gritam pedem socorro sem saber Revido com afeto momentos de entrega e prazer Carícias que eles pensam arrancar Dou por querer, esse é o meu papel. Eu sei o que eles precisam ter E dou, mas cobro pra que eles pensem Que têm o poder. No dia seguinte a ordem volta ao seu lugar Nos lares perfeitos erguem cruzadas em prol do bem O rio segue o curso normal Eles o leito, eu a marginal.
Coração (Clarisse Grova)
Coração Vê se bate no compasso da estação Entre nós Não há nenhum segredo Nós sabemos que é verão Coração Diz sim ou não Sem traição, coração É melhor pra nós dois Você vai ver depois Quem te atura apressado sou eu Quem te leva pra cama sozinha sou eu Coração... Coração... Coração...
Moleque-Marraio (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
Pula carniça cai todo mundo encarna cartinha pro namorado cuidado que a tinta vai se acabar dez vão sorrir um vai chorar tudo o que o mestre mandar farei mas eu deixei passar minha vez quem sabe dizer por que não pulei? O futebol jogado pela janela gritei um gol anulado Um vai ter que perder pro outro ganhar Time de fora é quem sobrou Craque de bola tem o seu lugar Quem é pereba vai para o gol quem sabe dizer por que não joguei? Polícia e ladrão por favor me salvem o pique já começou corre logo menino, tá com você eu tô de altos, sem querer... Jogo da vida marraio sou ninguém me ouve, eu não sei brincar quem sabe dizer por que eu fiquei? Quem sabe dizer o que nos detém? Quem sabe dizer? Quem sabe dizer?
Guerra e Paz (Felipe Radicetti e Cristina Saraiva)
Guerra e paz Nem sei mais Como levo dentro Tanta dor Sombra e cor os matizes do amor Eu misturo Receios Vontades Segredos E os sonhos que deixei pra trás confesso que não deixo mais procuro uma outra história, outra paisagem miragem ou revelação promessas me faço afasto o cansaço Vou feliz aprendiz sem destino certo onde estou? Como vou? Já não quero pensar Mas me juro coragem desejos anseios E os sonhos que deixei pra trás serão agora como um cais me perco em cada história, cada devaneio passeio num tornado, vou sozinha tomada por minha alvorada, vou
Um Outro Fado (Clarisse Grova e Paulo César Feital)
Cá estou Dentro enfim a me refugiar Só assim Sou de mim sentinela Me perdoa vida Eu e meu temor Lá fora eu morro Ou mata-me esse amor. Se supões Que é um equívoco morrer de amor Morro em mim Como morre a quimera Como a primavera é a ilusão da flor é a mera eternidade desse amor. Mas basta um beijo teu Nos lábios da razão Presídio da paixão pra dar fuga ao desejo que navega ao cio Tejo e vai Ancorar, libertar de novo a tripulação De assombrações Que a ilusão me perfila Depois te retiras Buscas outro amor E eu choro em outro fado Meu pavor. Mas basta um gesto teu Pra teres meu perdão As marcas de outras mãos Que digitam meus beijos Já não regam o rio Tejo e vão Ancorar, libertar de novo a tripulação De assombrações Que a ilusão me perfila E o pouco que resta basta pra o que sou E eu choro em outro fado Meu pavor. Cá estou Dentro enfim a me refugiar E eu choro em outro fado Meu amor. Se supões Que é um equívoco morrer de amor E eu choro em outro fado Meu amor.
É Tarde... (Felipe Radicetti e Carla Aka)
Os carros voam. Em alerta o guarda dorme, Os hospitais pedem silencio. Silencio. E a alma à toa, Dopada, animal, A minha alma não sossega, Sossega. Congela a imagem No frio, na Ásia, no inverno. Alguém ligando a cobrar Atenção. É tarde meu amor é tarde De verão em flashback Sem anestesia, poesia impura Na parede, na calçada Não salva, não salva. Eu sinto muito Eu sinto, já é tarde O sol desliza riso falso Dos teus lábios Adormeceu.
Import(ânsia) (Clarisse Grova)
Não me importa mais seu beijo Não me importa o seu sabor Não me importa mais seu jeito Não me importa o seu calor Não me importa mais seu cheiro Nem o tempo que passou Não me importa o desespero Não me importa o dissabor Não me importa o coração O conselho dos amigos Sua mão na minha mão O encontro mais bonito Não me importa a solidão Não me importa o seu sorriso Não me importa sua voz dizendo: Isso é loucura, o que vai ser de nós? Por Deus não me procura Me esquece, por favor Esquece a nossa jura Esquece, meu amor.
Ficha Técnica
Rude Pedra Voz: Clarisse Grova Guitarra e violão: Victor Biglione Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti O Tal Trem Voz: Clarisse Grova Violão: Chico Adnet Pandeiro: Ovídio Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Marrento Voz: Clarisse Grova Percussão: Flavia Belchior Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Indiviso Voz: Clarisse Grova Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Livro em Branco Voz: Clarisse Grova Violão: João Cantiber Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Senhora Voz: Clarisse Grova Violino: Oswaldo Carvalho Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Coração Voz: Clarisse Grova Violão: Chico Adnet Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Moleque-Marraio Voz: Clarisse Grova Coro: Clarisse, Fabíola e Mirna Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Guerra e Paz Voz: Clarisse Grova Sax Alto: Ricardo Pontes Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Um Outro Fado Voz: Clarisse Grova Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti É tarde Voz: Clarisse Grova Guitarra: Victor Biglione Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti Import(ânsia) Voz: Clarisse Grova Teclados, arranjos e programações eletrônicas: Felipe Radicetti
Citações
Aflorar tecnologias/ sentimentos de ponta... seta que aponta para o futuro imediato, entre o resgate e o vislumbre, tudo pulsando, respirando som. Lírico, delírico, sol sem nuvens. assim eu vejo/ouço, sinto e absorvo este novo e instigante trabalho musical. Na minha opinião, um trabalho que vai dar muito que falar, mas, antes de tudo, o que ouvir”. Sérgio Natureza O GLOBO - SEGUNDO CADERNO - DISCOLÂNDIA - Por HUGO SUKMAN - Cotação: * * * * "Trata-se do mais bem-sucedido casamento da MPB com a música eletrônica. Os caminhos que este disco original propõe tem um ponto de chegada: a renovação da música brasileira.E um problema, abundante a enfrentar: preguiça e conservadorismo. MPB e música eletrônica sem incompatibilidades. Dupla propõe modo original de fazer canção brasileira". 15 de julho de 2003. O GLOBO ON LINE - CDS RECOMENDADOS - Por LEONARDO LICHOTE "A dupla acerta com louvor. Superlisa mostra que até mesmo aquele gênero meio amorfo que repousa sob a cansada sigla MPB ainda tem muito espaço para talento e, sobretudo, invenção." 19 de agosto de 2003. O ESTADO DE SÃO PAULO – Passeio Eletrônico - Por MAURO DIAS "Músicos ligados à tradição de canção da MPB, o tecladista e compositor Felipe Radicetti e a cantora e compositora Clarisse Grova arriscam, e obtém resultado ótimo, passeio pelo terreno da música eletrônica. O vozeirão maravilhoso de Clarisse, belas melodias e arranjos, letras ótimas. Excelente". 26 de junho de 2003.