Declaração de amor à América do Sul
O CD “América” é uma declaração de amor à América do Sul, algumas músicas evocam o processo civilizatório da colonização, a história recente desses países ainda convalescentes de cruéis ditaduras militares, com cicatrizes a serem revistadas; outras discutem, como crônicas, o trabalho do homem, o trabalho infantil e o trabalho da mulher no campo. Em suma, um ciclo de canções que busca os laços identitários que nos unem como latinoamericanos, num processo semelhante de luta e de construção de cidadania. A obra foi criada, arranjada e produzida por Felipe Radicetti. Todas as canções buscam refletir e reivindicar a vida do povo da América do Sul, com o objetivo de fortalecer esses laços entre os povos americanos, colocando, no centro, como objeto e temática, aqueles que se sentem periféricos no mundo.
LETRAS
Outro Canto Americano (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
Resistir, recusar
Salve a América
Insistir, levantar
Salve a América
Aportaram nossas vidas
Porto Rico, Vera Cruz
A cruz e a espada, a espada
(In hoc signo vinces)
A primeira missa
Alma e carniça
(em nome de Deus)
Resistir, recusar…
Campos, fome, minas, morte
Nossa carne à mercê
À mercê do mesmo corte, o mesmo corte
Nos amarram ao tronco
pelo ouro e cobre
tiram nosso couro
golpe após golpe
Resistir, recusar…
Povos, tribos, cabras cegas
Cabras moucas, perdições
Rotos, tato de leproso, de leproso
entre nossas vidas
no abismo eterno
eu caio, eu berro
eu berro, eu berro.
Resistir, recusar…
Quartos, camas, separados
quarteladas, confissões
fardos, coitos inventados, inventados
Lambo a sua lingua
desejo outro beijo
meu desejo não é
o que eu desejo
Resistir, recusar…
Quero ser também carrasco
Ser senhor, o teu senhor
te conduzir à dor, parir a dor
Atar os teus braços
com as tuas tripas
Te ensinar quem és, quem sou,
Serás quem eu quiser.
Última Canção Indigenista (Felipe Radicetti e Felipe Cerquize)
Espreita Xavante e Tupinambá,
Prepara Ajuru, Tremembé, Aruá!
Não recuar nem um palmo de sonho,
Não vou recuar nem um palmo de chão.
É hora Ianomâmi e Apalaí,
Membira quer ver renascer buriti!
Não recuar nem um palmo de sonho,
Não vou recuar nem um palmo de chão.
E toda a nação Guarani-Kaiowá,
E Tingui-Botó, Caiapó, Karajá!
Não recuar nem um palmo de sonho,
Não vou recuar nem um palmo de chão!
É hora, Ticuna, grita Muriti,
A quimera do povo Yawalapiti!
Não recuar nem um palmo de sonho,
Não vou recuar nem um palmo de chão.
Espreita guerreiro Ofaié, Kadiwéu,
Canindé sabe que o sangue sempre correu!
Não recuar nem um palmo de sonho,
Não vou recuar nem um palmo de chão!
Ardia Jaci pelo dia de ver
vertidos no chão, beijos de Amanacy!
Não recuar nem um palmo de sonho,
Não vou recuar nem um palmo de chão.
Não recuar nem um palmo de sonho,
Não vou recuar nem um palmo de chão!
O Canto dos Meninos do Campo (Felipe Radicetti)
Menino golpeando a cana: tum baticum baticum sem parar,
A cana tem gosto amargo: tum baticum baticum sem parar.
– Já prometemo, vamo resisti, canavieiro, canavieiro!
– O meu dinheiro um dia há de vi, canavieiro, canavieiro!
Menino ensacando o carvão é tum baticum baticum sem parar,
O carvão tem gosto mais amargo: tum baticum baticum sem parar.
– Já prometemo, vamo resisti, ê carvoeiro, ê carvoeiro!
– O meu dinheiro um dia há de vi, ê carvoeiro, ê carvoeiro!
Menino ilumina o caminho: é tum baticum baticum sem parar,
O medo que bate no peito: tum baticum baticum sem parar.
já prometemo, vamo resistir, guia candeeiro, candeeiro!
O meu dinheiro um dia há de vi, guia candeeiro, candeeiro!
Menino miúdo trabalha, é tum baticum baticum sem parar,
é bambolear na cangalha é tum baticum baticum sem parar.
já prometemo, vamo resisti, feito espantalho, feito espantalho!
O meu dinheiro um dia há de vi, do meu trabalho, do meu trabalho!
Sendero Americano (Felipe Radicetti e Sérgio Ricardo)
Mi canto es americano
Es un grito, es un vuelo, es un pájaro
Es vuelo blanco bajo el cielo.
Mi cielo es americano
Por donde vuela blanca esperanza
blanca de todo el pueblo.
Mi pueblo es americano
Sonrisas blancas, manos blancas, negros cabellos.
Mis negros americanos
Color de hermanos, color-dolor.
Besame rosa de sangre
Rojo es el color del alma.
Mi dolor americano
Es el canto de los senderos
Del hombre campo por los caminos.
Mi camino americano.
Mi camino americano
Mi camino es abrirlo de las amarras
Mano en la mano del hombre hombre.
Hambre, hambre americana
Es pájaro cautivo en la tierra
con ganas de vuelo blanco.
Vuelo blanco americano
En la noche oscura, noche de su dolor.
Casa de Mãe, Casa de Filha (Felipe Radicetti e Luhli)
Ser você,
Não quis, eu soube negar você
Um dia,
Minha vida coube em tuas mãos
Saltei, meus pequenos pés
E o teu sabor, lágrima no teu batom
Maciez de edredon
Fui crescer e te perdi
Te encontrei
Por ser tão avessa me espelhei
Por dentro
Pelas tuas lutas me enredei
Abracei tantos ideais e protestei
Atirei, palavras fiz, do não um sim
Da voz, clarim
Tão real teu grito em mim
Vem, mãe, deixa
Tanto medo
Dores, pranto
Resta a dança
Vem, mãe, deixa
Cada aurora
Brasa viva
Esperança
Você, viva
Eu, você
Ser mulher é ser
Os seres todos em um só
Corrente, somos elos,
Tempos dando um nó
Tanto faz quem é filha ou mãe
Eu vim te ver
Amanheceu
Trouxe o jornal
Vem que eu passo o teu café
Bebe teu silencio em paz.
Aurora (Felipe Radicetti e Etel Frota)
Dia que acabou
todo o azul se foi
céu escureceu
noite tudo engoliu
sol que afundou no mar
Só a escuridão
escondeu-se a cor
pra reacender
numa nova manhã
num outro céu
Mundo entardecendo
num céu de verão:
pôr-do-sol
Mundo renascendo
na manhã azul:
Aurora
Chama que se esvai
vida já no fim:
pôr-do-sol
Vida que chegou
anunciação:
Aurora
Tudo vai e vem
lei da perfeição
Deixa o velho ir
Deixa o novo nascer
Ressurreição
Um Canto de Trabalho (Felipe Radicetti)
Instrumental
Cine Poema (Felipe Radicetti e Socorro Lira)
Já morri muitas vezes no poema
e de tanto morrer, já fui eterna
já morri tantas vezes no cinema
outras vezes, de dor, perdi a perna
tantas vezes, de amor, paguei a pena
muitas vezes, de flor, ganhei a guerra
quantas vezes ressuscitei de novo!
tantas vidas valeu viver na terra
É a porta que dá para o inferno
É, a arte, a passagem perdida
É a porta que dá para o eterno
É, a arte, a porteira escondida
já vivi mais de mil ou dez mil anos
e, por outra, morri valendo a pena
para me explicar por tanta vida
não há lógica, sequer, um teorema
Eu morri e revivi em muitos temas
já sofri na canção, o que na vida
impossível seria suportar
e, por isso, cantar é a saída
É a porta que dá para o inferno
É, a arte, a passagem perdida
É a porta que dá para o eterno
É, a arte, a porteira escondida
Riacho de Areia (Beira-mar) - Tradição Oral
I
Beira-Mar novo
Foi só eu é que cantei
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Tô remando minha canoa
Lá pro poço do pesqueiro
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Adeus, adeus, toma adeus
Eu já vou-me embora
Eu morava no fundo d’água
Não sei quando eu voltarei
Eu sou canoeiro
II
Eu não moro aqui
Nem aqui quero morar
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Moro na casca da lima
No caroço do juá
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Adeus, adeus, toma adeus
Eu já vou-me embora
Eu morava no fundo d’água
Não sei quando voltarei
Eu sou canoeiro
III
Quando eu sair daqui
Vou sair daqui avoando
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Para o povo não dizer
que eu saí daqui chorando
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Adeus, adeus, toma adeus
Eu já vou-me embora
Eu morava no fundo d’água
Não sei quando voltarei
Eu sou canoeiro
IV
Vou descendo rio abaixo
Numa canoa furada
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Arriscando minha vida
Por uma coisinha de nada
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Adeus, adeus, toma adeus
Eu já vou-me embora
Eu morava no fundo d’água
Não sei quando voltarei
Eu sou canoeiro
V
Rio abaixo, Rio acima
Tudo isso já andei
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Procurando amor de longe
Que o de perto já deixei
Ô beira mar, adeus dona
Adeus riacho de areia
Adeus, adeus, toma adeus
Eu já vou-me embora
Eu morava no fundo d’água
Não sei quando eu voltarei
Eu sou canoeiro
Amor de Dois Mendigos (Felipe Radicetti e Sérgio Ricardo)
Vinham sem brilho
Da mais tênue luz de vida
Ao triscar pela avenida
Uma centelha de amor
Cobrindo a Lua
A noite, em cumplicidade
Escondia as emboscadas
Do destino zombador
No asfalto escuro
De alma e corpo desnudados
Tanto amor foi alcançado
Que nem tolo ousou se opor
Clarões de orgasmos
Qual faróis jorrando nesgas
Projetavam gigantescas
Suas sombras ao redor
No asfalto escuro
De alma e corpo desnudados
Tanto amor foi alcançado
Que nem tolo ousou se opor
Balada de Olga e Prestes (Felipe Radicetti e Marcelo Biar)
- Olga
Trago ao ventre a flor
A rubra flor
Do nosso amor
Tão solidário
Entre os dentes trago outubros
gritos de rebelião
Sementes
Juntos, como irmãos, o trigo e o pão
Na preparação de um novo mundo
Conjurando um mesmo sonho:
Frutos para todos!
Deveriam ser de todos!
Sonhos que nos levarão
Leves para além do sonho!
- Prestes
Espalhe ao vento
No campo ou cidade
A rosa rubra, amor!
A libertária flor
Seguindo em frente tanta gente como irmãos,
invertendo a solidão
São vermelhos nossos sonhos em botão
Brotam como elos de libertação
Camaradas, somos livres: união, trabalho, o solidário pão!
Pão de grão em mão de irmão,
revolta terra, semeada de revolução.
Trago a rubra flor, a rubra flor!
Como posso Saber? (Felipe Radicetti)
Como posso saber quando é jornalismo
Se volta e meia eu cismo que tem boi no texto?
O cinismo dessa gente até me deixa pasmo
O pretexto vem oculto e eu é que não presto?
Como posso saber que o quer assista
Assalta a minha mente mesmo sem licença
O que é anunciado nunca deixa pista
Da vigarice feita em nome da imprensa
Não se deixe arrastar!
Então de quê você tem medo? (Como posso saber?)
Amiúde parece, padece a informação
Avessa à precisão, investe sobre o juízo.
Não se deixe arrastar!
Então de quê você tem medo? (Como posso saber?)
É muito lance de corsário desfazendo o enredo
E o leitor vai enredado na teia sem um aviso!
Como posso saber o que é verdadeiro
Se até o paradeiro do fato é incerto?
Se inverto o sentido posto por inteiro
Aposto que um posseiro foi o mais esperto!
Como posso saber o que é encoberto?
Olhando bem de perto vê-se outro intento!
Não é só o costume de ter como certo
O meio como molda o modo do pensamento.
Não se deixe arrastar!
Então de quê você tem medo? (Como posso saber?)
Amiúde parece, padece a informação
Avessa à precisão, investe sobre o juízo.
Não se deixe arrastar!
Então de quê você tem medo? (Como posso saber?)
É muito lance de corsário desfazendo o enredo
E o leitor vai enredado na teia sem um aviso!
Não se deixe arrastar!
Então de quê você tem medo?
Nem toda mídia engrandece o ofício que abraça
Esse vício infértil cassa-consciência.
Não se deixe arrastar!
Então de quê você tem medo?
A palo seco a gente segue singrando essa onda
Quem sabe assim desinformada a opinião é livre.
Urupemba (Felipe Radicetti e Sérgio Ricardo)
Pois da terra faz-se o barro
do barro o homem se faz
E do homem faz-se o povo
de quem se faz e desfaz
O garimpeiro pondera,
A memória é uma urupemba
por onde a história se escoa
deixa o cascalho da lenda
Pois da terra faz-se o barro
do barro o homem se faz
E do homem faz-se o povo
de quem se faz e desfaz
Com ela refaz-se a terra
o barro, o homem e o povo
que sua história desvenda
com a urupemba de novo
A memória é uma urupemba
deixa o cascalho da lenda.
Desejo Meu (Felipe Radicetti)
Desejo é feito muro alto, alto de nem se ver
Impele essa chama, a chama aislada do tempo
Tanto me aquece, me deixa de fora
Tanto inflama quanto adoece
Desejo meu, desejo meu.
Desejo é feito estar vivo e dentro, fundo na terra
Quieto, em silêncio, ouvindo o rugido do mundo
Enquanto acima o tempo devasta
Abaixo conserva fecundo
Desejo meu, desejo meu.
Desejo meu, desejo meu.
Ficha Técnica
Outro Canto Americano
Música de Felipe Radicetti
Letra de Marcelo Biar
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico e programação de baixo.
João Cantiber: violões e percussões.
Daniel Drummond: guitarra.
Última canção indigenista
Música de Felipe Radicetti
Letra de Felipe Cerquize
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico, sintetizador e programação de baixo.
João Cantiber: violão (percutido) e viola caipira.
O canto dos meninos do campo
Música e letra de Felipe Radicetti
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico e programação de baixo.
João Cantiber: violões, viola caipira e percussões.
Coro: Luana, Mari Blue e Felipe Radicetti.
Sendero Americano
Música de Felipe Radicetti
Letra de Sergio Ricardo
Adriana Ríos: voz
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico, sintetizador e programação de baixo.
João Cantiber: violão e percussões.
Casa de mãe, casa de filha
Música de Felipe Radicetti
Letra de Luhli
Marianna Leporace: voz
Felipe Radicetti: piano.
Aurora
Música de Felipe Radicetti
Letra de Etel Frota
Felipe Radicetti: voz, piano, piano elétrico e programação de baixo.
Daniel Drummond: guitarra.
Um canto de trabalho
Música da Felipe Radicetti
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico e programação de baixo.
João Cantiber: violões e percussão.
Coro: Luana, Mari Blue e Felipe Radicetti
Cine Poema
Música de Felipe Radicetti
Letra de Socorro Lira
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico e programação de baixo.
João Cantiber: violões, viola caipira e percussões.
Riacho de Areia
(tradição oral)
Felipe Radicetti: voz e processamento eletronico dos violões e viola.
João Cantiber: violões e viola caipira.
Amor de dois mendigos (Amor pela Avenida)
Música de Felipe Radicetti
Letra de Sérgio Ricardo
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico e programação de baixo.
João Cantiber: violão nylon, guitarra e percussões.
Guilherme Hermolin: flautas em sol.
Balada de Olga e Prestes
Música de Felipe Radicetti
Letra de Marcelo Biar
Marianna Leporace: voz
Felipe Radicetti: voz e piano.
Itamar Assieri: acordeão.
Como posso saber?
Música e letra de Felipe Radicetti
Dhenni Santos: voz
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico e programação de baixo.
João Cantiber: violões e percussões.
Coro: Diana Goulart, Luana e Marianna Leporace.
Urupemba
Música de Felipe Radicetti
Letra de Sergio Ricardo
Felipe Radicetti: voz, piano elétrico e programação de baixo
João Cantiber: violões e percussões.
Guilherme Hermolin: flautas em dó e em sol.
Desejo meu
Música e letra de Felipe Radicetti
Felipe Radicetti: voz e piano, programação de baixo.
João Cantiber: guitarra e percussão.